25 abril 2006

O Resistente Fernando Lopes-Graça


Em tempo de comemoração do 25 de Abril, pareceu-nos adequado e de toda a justiça dedicar de novo um post ao músico português Fernando Lopes-Graça.

Estão a ouvir, Cantemos o novo dia, uma das Canções Heróicas deste compositor, com versos de Luísa Irene. Quem não ouviu já as seguintes palavras de Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira e João José Cochofel, respectivamente:

Não há machado que corte a raiz ao pensamento…
Vozes ao alto! Unidos como os dedos da mão…
Amor, já se aproxima a hora…


A primeira versão desta obra foi publicada em 1946 com o título Marchas, Danças e Canções - próprias para grupos vocais ou instrumentos populares, tendo sido apreendida pela censura, o que impediu que os poemas fossem ouvidos e cantados em espectáculos ou sessões públicas. Contudo, muitos resistentes continuaram a cantar estas canções em encontros clandestinos ou nos países onde se encontravam exilados. Em 1960, surgiu uma colecção mais alargada com o nome de Canções Heróicas, Dramáticas, Bucólicas e Outras. A nova edição destinava-se a celebrar o 50º aniversário da implantação da República e foi divulgada num meio muito restrito. Por fim, a versão definitiva ficou conhecida por Canções Heróicas (Cf. Instituto Camões).

Os musicólogos Rui Vieira Nery e Paulo Ferreira de Castro, no seu livro História da Música da colecção Sínteses da Cultura Portuguesa, salientam o carácter resistente e subversivo da música de Lopes Graça:
"Aos compositores portugueses das décadas de 40 a 60, colocavam-se, pois, três opções fundamentais: colaborar, com convicção, oportunismo ou resignação, nas realizações mais ou menos propagandísticas do Estado Novo; ousar de algum modo na obra e na atitude artística um gesto de contestação aberta ao regime e à sua orientação estética (positiva ou defectiva); ou, simplesmente, “compor para a gaveta”. Entre a primeira e a terceira atitude, integra-se a grande maioria dos músicos da época (em proporções variáveis de compromisso); a segunda foi quase isoladamente defendida por Fernando Lopes Graça, sem dúvida o mais obstinado representante, no campo musical, da resistência política e intelectual à ditadura (…)"

"(…) Os anos passados em Paris, em plena época do Front Populaire, revelar-se-ão decisivos para a sua formação ideológica e estética (…) Na época do seu regresso a Portugal (1939) encontram-se já delineadas as linhas mestras da sua linguagem composicional (…)"

"A obra de Lopes Graça pode considerar-se, historicamente, como a última tentativa, e sem dúvida a mais consequente, de concepção de um estilo musical “nacional”, por via de uma assimilação aprofundada do carácter idiossincrático da música rural tradicional (…) O seu tratamento do folclore situa-se assim nos antípodas da estética de António Ferro: a visão “música do povo” que transparece da sua obra distancia-se resolutamente de qualquer conceito romântico de bucolismo ou pitoresco (…)"

Influenciado por Béla Bartók, Ravel, Falla e Stravinsky, o compositor, ele próprio, numa entrevista concedida ao musicólogo Mário Vieira de Carvalho expôs nestes termos a sua posição: "Aquilo em que aposto é na liberdade (liberdade na responsabilidade) da criação, na possibilidade infinita de renovação da música, sim, mas à margem de dogmas e de falazes e de imperativos históricos (…)" (in Carvalho, Mário Vieira, O Essencial sobre Fernando Lopes Graça, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989).

Poderão ouvir aqui a canção Ronda. A gravação não está nas melhores condições, ouvindo-se algum ruído do disco de vinyl, mas decidimos inclui-la ainda assim, tendo em conta a sua beleza e significado.

19 Comments:

Blogger ASPÁSIA said...

Nunca é de mais recordar F. Lopes-Graça, a sua talentosa Obra musical e a sua verticalidade de anti-fascista. Parabéns também pela bela selecção musical dos dois Posts, tão representativa de uma época política fundamental da História recente do nosso País.

Beijinhos, até à próxima.

25/4/06 17:12  
Blogger viktor said...

Olá Aspásia,
Obrigado pelas belas palavras. Infelizmente, uma grande parte da obra de Lopes-Graça ainda está por editar.
Até breve,
Bjs.

25/4/06 22:50  
Anonymous Anónimo said...

Grande homenagem a um Grande Lutador pela Liberdade e Compositor, se me lembro de cantar "Vozes ao alto, vozes ao alto, unidos como os dedos da mão, havemos de chegar ao fim da estrada, ao som desta canção!".
Grande Abraço, IO.

25/4/06 23:50  
Blogger wind said...

Muito bonito o som do piano com a harmonia do coro :) beijos

27/4/06 16:20  
Blogger mtc said...

De passagem para dizer que adorei conhecer-vos e espero que nos voltemos a reunir em breve. Nem que seja para um chá de mil e uma noites ou...de jasmim ;)

Junto o meu mail do blog:
memoria_tempo@hotmail.com
(criei agora este novo mas o outro ainda continua a funcioanr, just in case)

no caso de ser necessário alguma coisa.
Beijinhos para os dois
and hope to see you soon :)

Bom fim de semana

PS: Espero que tenham regressado bem a casa.
A Yullie e eu ainda vivemos uma atribulada operação stop. Comentei Lá ;)

28/4/06 11:26  
Anonymous Anónimo said...

Um grande defensor e claro está lutador da liberdade individual e da democracia. Luta essa que ficou documentada na sua obra.
Nunca é demais recordar quem lutou pela democracia e pela liberdade, dois diamantes que têm que ser continuamente polidos.

Um abraço

Lobo das Estepes

28/4/06 15:39  
Blogger viktor said...

Mt,
Foi um prazer conhecer-te :)
Obrigado pelo endereço de mail. Assim, posso mandar-te algumas dicas informáticas.
Bom fds.
Bjs.

HarryHaller,
Obrigado pela visita. Infelizmente não se tem dado o devido valor a Fernando Lopes-Graça tanto como compositor como anti-fascista.
Um abraço.

28/4/06 19:40  
Blogger mtc said...

Olá Pamina e Viktor
Deixei no meu cantinho uma mensagem.
Fiz como disseste, Viktor...mas não resultou...não consigo ouvir nada...se por acaso quiseres espreitar vê lá se percebes o que fiz de errado.

Beijinhos e bom fds

28/4/06 20:39  
Blogger b' said...

Não fiques para trás, ó companheiro,
é de aço esta fúria que nos leva.
Para não te perderes no nevoeiro,
segue os nossos corações na treva


uma das canções da minha infância :)))

Pamina obrigada pelas tuas palavras

beijinhos

@:)

para o Viktor também :))

28/4/06 23:07  
Blogger ASPÁSIA said...

Também foi óptimo vê-los ao vivo, como já comentei no Murcon... então cá esperamos as fotos, mas primeiro descansem. Ainda bem que regressaram bem!

Beijinhos e bom FdS

28/4/06 23:29  
Blogger Maria P. said...

Obrigada sempre, por estes ensinamentos/recordaçoes.

Um abraço.

29/4/06 11:11  
Blogger mtc said...

Olá Bom dia
Já percebi porque não ouvia a minha música...abria com o Firefox e não com o Internet Explorer;)
Voilá :)
Um beijinho para os dois

29/4/06 11:50  
Blogger mtc said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

29/4/06 11:50  
Blogger papoilasaltitante said...

Não há machado que corte...
... a lembrança e a homenagem!!!

29/4/06 22:01  
Anonymous Anónimo said...

Linda homenagem a alguém que me habituei a ouvir desde pequena.
Bjs Lena

30/4/06 14:26  
Anonymous Anónimo said...

Puxa,só hoje tive tempo para ler atentamente o post.
Bela homenagem ao Lopes Graça que as merece todas.
Beijinhos aos dois.

30/4/06 22:15  
Anonymous Anónimo said...

Viva o 25 de Abri! Viva o 1º de Maio! Que orgulho em pertencer a estes momentos, e que estes momentos me pertençam! Obrigado Pamina pela lembrança de Lopes Graça. Beijos para ti e um abraço para o Viktor.

1/5/06 10:06  
Blogger viktor said...

Mt - Teresa,
O Firefox ainda é um programa experimental. Como tal, não suporta muitos dos códigos HTML.
Bjs.

B'.
É de facto uma das Canções Heróicas mais bonitas, com os seus ritmos pontuados.
Bjs.

Aspásia,
Foi bom conhecer-te ao vivo e a cores :)
Bjs.

Maria P.,
Obrigado, até breve.

Papoila Saltitante,
Vale sempre a pena fazer esta homenagem contra todos os machados. Bjs.

Lena,
Infelizmente, hoje em dia a obra de Fernando Lopes-Graça vai caindo no esquecimento.
Bjs.

Ni,
Boa leitura e claro que merece :)
Bjs.
P.S. Belo concerto no Valado com a Marta Hugon, não foi?

Fernando b.,
A liberdade não se fez, conquistou-se com a coragem de alguns como Fernando Lopes-Graça.
Um abraço.

Henrique Dória,
Que continuemos a festejar estas duas datas por muitos anos.
Um abraço.

1/5/06 22:44  
Anonymous Anónimo said...

A obra de Lopes-Graça está a cair no esquecimento? Talvez não tanto como temíamos...há um ano, na Festa do Avante, assisti a uma plateia a pedir, em uníssono, ao Coro Lopes-Graça o célebre "Acordai", peça, aliás, favorita de um grupo de crianças que começou agora a cantar (crianças, sim, entre os 5 e os 9), e que já se aventurou no "Presente de Natal".

12/6/06 20:13  

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