A Fuga ou O Regresso da Teoria Pura e Dura
Quando falámos sobre a Flauta Mágica, referimos que na Abertura desta ópera existe uma fuga e prometemos escrever, mais tarde, sobre este assunto. Posteriormente, recebemos alguns comentários onde era manisfestado o interesse por esta matéria. Decidimos assim dedicar este post e o post seguinte à fuga, antes de uma pequena brincadeira que estamos a planear para o fim de semana do S.João.
Não é um tema fácil de abordar, pois a fuga é decerto a forma mais complexa de todas. Já focámos anteriormente, a propósito de Charpentier, outra forma, neste caso o rondó. Para além da fuga e do rondó existem mais formas musicais que procuraremos também tratar em próximos posts.
A essência da fuga, consolidada enquanto tal no Séc. XVII, consiste na imitação. Já no rondó medieval existia imitação, através da repetição sucessiva do refrão. Posteriormente, na transição para o Renascimento, podemos encontrar uma forma chamada Caccia, na qual uma voz (neste sentido, a palavra voz não significa apenas a voz humana, mas também um instrumento) "perseguia" a outra, imitando-a. Esta estrutura foi desenvolvida no período barroco, dando assim origem à fuga.
Em linguagem simples, pode dizer-se que a fuga se basea num tema que vai saltando de voz para voz (na maioria 3 a 4 vozes).
A estrutura da fuga possui três fases: Exposição, Desenvolvimento e Re-Exposição.
Esta semana, vamos observar a primeira fase, ou seja a Exposição. Nela, existe o tema, a resposta e o contratema.
Escolhemos como fuga para a análise, o andamento "Sicut Locutus Est" do Magnificat de J.S.Bach, dado que é uma peça vocal, o que facilita a explicação.
Como em todas as fugas, esta peça inicia-se com uma voz, neste caso os baixos, à qual se vão juntar, uma a uma, as outras vozes, até que no final da Exposição há 4 vozes simultâneas.
Tema:
No início, o naipe dos baixos canta o tema, ou seja o texto "Sicut locutus, locutus est ad patres nostros".
Nº de vozes: 1
Resposta e Contratema:
Depois do naipe dos baixos ter cantado o tema, entram os tenores, cantando a resposta cujo texto é igual ao do tema, embora o tom seja mais agudo.
Enquanto os tenores estão a cantar a resposta, os baixos cantam o contratema, ou seja o texto "Abraham et semini ejus in secula".
Nº de vozes: 2
Tema:
Aos baixos e aos tenores, juntam-se agora os contraltos que cantam o tema, ou seja "Sicut locutus, locutus est ad patres nostros", uma oitava acima. Com a entrada dos contraltos, os baixos passam a cantar, o que se chama tecnicamente, uma parte livre e os tenores passam a cantar o contratema, ou seja "Abraham et semini ejus in secula", noutro tom.
Nº de vozes: 3
Resposta e Contratema:
Nesta altura, estão a cantar os baixos, os tenores e os contraltos, aos quais se vêm juntar os sopranos2 (nesta obra, os sopranos estão divididos em sopranos1 e sopranos2. Os sopranos1 não entram ainda) que cantam a resposta, ou seja "Sicut locutus, locutus est ad patres nostros", noutro tom.
Após a entrada dos sopranos2, os contraltos (que estavam a cantar o tema) começam a cantar o contratema, ou seja "Abraham et semini ejus in secula". Os baixos e os tenores cantam partes livres.
Depois dos sopranos2 cantarem a resposta (ver acima) cantam ainda o contratema, ou seja "Abraham et semini ejus in secula", no mesmo tom em que os tenores o cantaram. Enquanto os sopranos2 cantam este contratema, as outras 3 vozes cantam partes livres.
Nº de vozes: 4
E assim se conclui a Exposição (duração 30 seg.).
Esperamos que não tenham achado esta explicação muito confusa. É extramente difícil resumir em poucas palavras uma matéria tão complexa.
Na próxima semana, iremos focar o Desenvolvimento (de 0:30 a 1:06.) e a Re-Exposição (de 1:06 até ao final) e apresentar uma análise esquemática da peça (duração total 1:23).
Nota: Como foi referido no início, a palavra voz refere-se não só à voz humana como a qualquer instrumento. No caso de fugas instrumentais, continua-se a falar de várias vozes, apesar da peça não ser cantada.
(Existe um link, sobre fugas de Bach, colocado pelo aa no post relativo à Flauta Mágica)
Não é um tema fácil de abordar, pois a fuga é decerto a forma mais complexa de todas. Já focámos anteriormente, a propósito de Charpentier, outra forma, neste caso o rondó. Para além da fuga e do rondó existem mais formas musicais que procuraremos também tratar em próximos posts.
A essência da fuga, consolidada enquanto tal no Séc. XVII, consiste na imitação. Já no rondó medieval existia imitação, através da repetição sucessiva do refrão. Posteriormente, na transição para o Renascimento, podemos encontrar uma forma chamada Caccia, na qual uma voz (neste sentido, a palavra voz não significa apenas a voz humana, mas também um instrumento) "perseguia" a outra, imitando-a. Esta estrutura foi desenvolvida no período barroco, dando assim origem à fuga.
Em linguagem simples, pode dizer-se que a fuga se basea num tema que vai saltando de voz para voz (na maioria 3 a 4 vozes).
A estrutura da fuga possui três fases: Exposição, Desenvolvimento e Re-Exposição.
Esta semana, vamos observar a primeira fase, ou seja a Exposição. Nela, existe o tema, a resposta e o contratema.
Escolhemos como fuga para a análise, o andamento "Sicut Locutus Est" do Magnificat de J.S.Bach, dado que é uma peça vocal, o que facilita a explicação.
Como em todas as fugas, esta peça inicia-se com uma voz, neste caso os baixos, à qual se vão juntar, uma a uma, as outras vozes, até que no final da Exposição há 4 vozes simultâneas.
Tema:
No início, o naipe dos baixos canta o tema, ou seja o texto "Sicut locutus, locutus est ad patres nostros".
Nº de vozes: 1
Resposta e Contratema:
Depois do naipe dos baixos ter cantado o tema, entram os tenores, cantando a resposta cujo texto é igual ao do tema, embora o tom seja mais agudo.
Enquanto os tenores estão a cantar a resposta, os baixos cantam o contratema, ou seja o texto "Abraham et semini ejus in secula".
Nº de vozes: 2
Tema:
Aos baixos e aos tenores, juntam-se agora os contraltos que cantam o tema, ou seja "Sicut locutus, locutus est ad patres nostros", uma oitava acima. Com a entrada dos contraltos, os baixos passam a cantar, o que se chama tecnicamente, uma parte livre e os tenores passam a cantar o contratema, ou seja "Abraham et semini ejus in secula", noutro tom.
Nº de vozes: 3
Resposta e Contratema:
Nesta altura, estão a cantar os baixos, os tenores e os contraltos, aos quais se vêm juntar os sopranos2 (nesta obra, os sopranos estão divididos em sopranos1 e sopranos2. Os sopranos1 não entram ainda) que cantam a resposta, ou seja "Sicut locutus, locutus est ad patres nostros", noutro tom.
Após a entrada dos sopranos2, os contraltos (que estavam a cantar o tema) começam a cantar o contratema, ou seja "Abraham et semini ejus in secula". Os baixos e os tenores cantam partes livres.
Depois dos sopranos2 cantarem a resposta (ver acima) cantam ainda o contratema, ou seja "Abraham et semini ejus in secula", no mesmo tom em que os tenores o cantaram. Enquanto os sopranos2 cantam este contratema, as outras 3 vozes cantam partes livres.
Nº de vozes: 4
E assim se conclui a Exposição (duração 30 seg.).
Esperamos que não tenham achado esta explicação muito confusa. É extramente difícil resumir em poucas palavras uma matéria tão complexa.
Na próxima semana, iremos focar o Desenvolvimento (de 0:30 a 1:06.) e a Re-Exposição (de 1:06 até ao final) e apresentar uma análise esquemática da peça (duração total 1:23).
Nota: Como foi referido no início, a palavra voz refere-se não só à voz humana como a qualquer instrumento. No caso de fugas instrumentais, continua-se a falar de várias vozes, apesar da peça não ser cantada.
(Existe um link, sobre fugas de Bach, colocado pelo aa no post relativo à Flauta Mágica)
22 Comments:
Viktor,
O link sobre as fugas de Bach foi colocado pelo aa. Mas posso colocar aqui outro, mais resumido, sobre a fuga: A Precis of Fugal Form
Mais uma aula da qual saímos encantados. Obrigada, aos dois. Beijinho grande :)
Olá Mi,
Obrigado pela correcção. Vou rectificar o post e vou ver o seu link.
:)
Obrigado mi, duplamente!
Parabéns pelo post, equipa do BonaMusica!
Mitsou e aa,
Espero que não tenham achado demasiado maçudo. É algo tão difícil de abordar.
Nada maçudo!
Mas confesso uma curiosidade sádica e muito vil quando penso o trabalho que terão só para os próximos capítulos :)
(e já agora, exemplos per augmentationem e diminuitionem e contrario motu?)
Mas é importante que haja trabalho escrito na net sobre este assunto, e o vosso esforço é de elogiar!
A fuga foi bem escolhida— não queremos passar já para a Grosse Fuge do Beethoven :)
...passeando pela blogosfera encontrei este cantinho que me despertou a atençâo pelo seu nome... tem tudo a ver comigo...por isso espero voltar...pode ser?...
beijinho*.
Que escolinha tão bonita...assim até dá gosto pagar as "propinas" ao sapo!
Mil beijinhos queridos professores,até amanhã...prometo chegar antes do 2ºtoque e não fazer muito barulho.
Caro aa,
Em alternativa a esta fuga, pensei no Kyrie do Requiem de Mozart, mas como se trata de uma fuga dupla, achei que ia ser muita confuso para quem não domina o assunto.
Partindo do princípio que há muitas pessoas que não estão familiarizadas com o assunto, só podemos passar para as fugas do classicismo depois de termos explicado os fundamentos.
Planeamos depois voltar a este assunto. Neste momento, estamos ocupados com a árdua:) tarefa de efectuar a análise gráfica.
Estrela do Mar,
Obrigado pela visita. Claro que pode voltar sempre que quiser :)
Um abraço
Para a ni,
E não te esqueças de trazer o caderninho, de preferência com os trabalhos de casa feitos, senão levas uma falta de material:)
Eu já tenho caderno! Desde o primeiro dia de aulas :) Beijinhos aos dois!
Beijinhos aos dois a festinhas à comunidade de quatro patas :)
Só uma curta nota (o tempo não permite mais...) para dizer que adorei o vosso blog.
Mas devo dizer que sou "suspeito"...
Porque, de facto, o vosso blog fez-me recordar "velhos" tempos da minha adolescência, em que a "palavra" musical expressava aquilo que a palavra escrita não conseguia expressar...
Em que punha na minha própria "boca" (no meu caso particular, através de um "megafone gigante" com um coração de cerca de metro e meio de altura, cerca de nove dezenas de martelos e mais de uma centena de cordas de ferro), as palavras com que outros um dia amaram, odiaram, exprimiram alegria ou tristeza, angústia, sofrimento, exultação... e que, em muitos casos, foram friamente reduzidas à condição de meros números com a palavra "Opus" atrás, por algum académico mais elitista...
(E o resto da(s) história(s) contarei depois... do tal exame que me fustiga os neurónios...)
Só me resta dar os meus parabéns pela forma como abordam a temática, de forma eclética, não elitista, não vendo a música clássica como um domínio exclusivo para (pseudo-)intelectuais...
(E depois continuo... porque a pena virtual do teclado ganhou vida própria e já escreveu demais!!!)
Um abraço
Ice
Venho desejar-lhes um óptimo fim-de-semana e pedir desculpas antecipadas por possíveis ausências nos próximos dias (boulot oblige). Mas, mesmo assim, deixo um sorriso :)
...não costumo deixar por aqui as palavras... venho cá, demoro um pouco a ouvir e música e lá vou eu nas minhas andanças...
...mas, é sempre um prazer ouvir
...gosto de ouvir mas não sei "discutir" ou falar "sobre" música...
abraços
Caro Ice,
Muito obrigada pela visita. Ainda bem que gostou do conteúdo. Concordo consigo que há muita gente demasiado ciosa dos seus conhecimentos e muito pouco disposta a compartilhá-los com os outros o que, na minha opinião, é uma típica manifestação de arrogância provinciana.
Um abraço
Olá Lobices,
Vai passando, sempre que te apetecer. Gostei de saber que, de vez em quando, nos fazes uma visitinha.
Um beijinho
Foi precisamente no Ice q reparei neste link e ainda bem q me deu para clicar.
Muitos parabéns pelo blog!
Surpreendentemente original. Que bem q me soube.
Kisses & thks
Pamina e Viktor,
Tal como o Lobices também eu gosto de vos ler e ouvir embora não saiba "discutir" música, pois infelizmente não tenho qualquer formação musical.
Passo por aqui quase sempre, embora nem sempre faça comentários.
Mas leio-os e ouço-os.
É um excelente espaço, sem dúvida.
Um óptimo fim de semana para os dois.:)
Pamina:
Estava-me a referir não só à recusa de partilha de conhecimentos, mas também à convicção que existe em certos meios de que a música dita clássica é superior a todas as outras formas de música...
Por exemplo, onde é que alguns professores da velha guarda da escola "clássica" (leia-se, por exemplo, conservatório) vêem com bons olhos a incursão de um aluno pelo jazz, pelo rock ou pela salsa? Ou que, no caso do piano, são extremamente rígidos na apresentação? (Chumbariam automaticamente um Glenn Gould que lhes aparecesse a tocar de perna cruzada...)
E já que falamos no conservatório, será que não se podia modificar os programas no sentido de preparar os alunos para outros horizontes musicais, técnicos, artísticos? (E falo não só, mas também, no Jazz, na composição com outros instrumentos e outras tecnologias que não as clássicas?!)
De referir que, durante a minha "odisseia" pela música, tive contacto com pessoas da "velha guarda" e pessoas que, apesar dos seus quarenta e tal ou cinquenta anos têm uma certa abertura de espírito...
Lembro-me, até, de um professor que me dizia: Podes tocar como quiseres - sentado, deitado, de pé, a fazer o pino, às escuras... O que interessa é que saia bem!
Enfim... acho que perceberam o meu ponto de vista!!! :)
E espero que o meu comentário anterior não dê azo, pela forma dúbia como está escrito, à ideia de que eu vos estou a chamar, em sentido pejorativo, (pseudo)-intelectuais...
Para o Ice,
Não se preocupe, percebo o que quer dizer.
Também contactei com professores de canto clássico que ficaram horrorizados com o meu gosto por musicais e jazz. Até Kurt Weil já era demais para eles. Claro que, como refere, nem todos são assim.
Julgo que as coisas têm evoluído.
Na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto já existe uma licenciatura em jazz para instrumentistas e voz (penso que, enquanto curso superior, é o único no país).
De uma maneira geral, há menos intercâmbio entre géneros do que noutros países.
Já ouvi uma cantora alemã cantar tanto uma Lied de Mahler como a canção Maybe this time do musical Cabaret, aliás maravilhosamente. Até aí não me tinha apercebido como essa canção era bonita.
Em Portugal isto não é tão vulgar. Conheço realmente algumas estudantes de canto clássico que se acham superiores e se recusam a cantar tudo o que não seja ópera e alguma Lied.
Também isto é uma manifestação de provincianismo.
(Falei mais sobre canto, porque conheço melhor do que o meio dos instrumentistas)
Enviar um comentário
<< Home