O Resistente Fernando Lopes-Graça

Em tempo de comemoração do 25 de Abril, pareceu-nos adequado e de toda a justiça dedicar de novo um post ao músico português Fernando Lopes-Graça.
Estão a ouvir, Cantemos o novo dia, uma das Canções Heróicas deste compositor, com versos de Luísa Irene. Quem não ouviu já as seguintes palavras de Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira e João José Cochofel, respectivamente:
Não há machado que corte a raiz ao pensamento…
Vozes ao alto! Unidos como os dedos da mão…
Amor, já se aproxima a hora…
A primeira versão desta obra foi publicada em 1946 com o título Marchas, Danças e Canções - próprias para grupos vocais ou instrumentos populares, tendo sido apreendida pela censura, o que impediu que os poemas fossem ouvidos e cantados em espectáculos ou sessões públicas. Contudo, muitos resistentes continuaram a cantar estas canções em encontros clandestinos ou nos países onde se encontravam exilados. Em 1960, surgiu uma colecção mais alargada com o nome de Canções Heróicas, Dramáticas, Bucólicas e Outras. A nova edição destinava-se a celebrar o 50º aniversário da implantação da República e foi divulgada num meio muito restrito. Por fim, a versão definitiva ficou conhecida por Canções Heróicas (Cf. Instituto Camões).
Os musicólogos Rui Vieira Nery e Paulo Ferreira de Castro, no seu livro História da Música da colecção Sínteses da Cultura Portuguesa, salientam o carácter resistente e subversivo da música de Lopes Graça:
"Aos compositores portugueses das décadas de 40 a 60, colocavam-se, pois, três opções fundamentais: colaborar, com convicção, oportunismo ou resignação, nas realizações mais ou menos propagandísticas do Estado Novo; ousar de algum modo na obra e na atitude artística um gesto de contestação aberta ao regime e à sua orientação estética (positiva ou defectiva); ou, simplesmente, “compor para a gaveta”. Entre a primeira e a terceira atitude, integra-se a grande maioria dos músicos da época (em proporções variáveis de compromisso); a segunda foi quase isoladamente defendida por Fernando Lopes Graça, sem dúvida o mais obstinado representante, no campo musical, da resistência política e intelectual à ditadura (…)"
"(…) Os anos passados em Paris, em plena época do Front Populaire, revelar-se-ão decisivos para a sua formação ideológica e estética (…) Na época do seu regresso a Portugal (1939) encontram-se já delineadas as linhas mestras da sua linguagem composicional (…)"
"A obra de Lopes Graça pode considerar-se, historicamente, como a última tentativa, e sem dúvida a mais consequente, de concepção de um estilo musical “nacional”, por via de uma assimilação aprofundada do carácter idiossincrático da música rural tradicional (…) O seu tratamento do folclore situa-se assim nos antípodas da estética de António Ferro: a visão “música do povo” que transparece da sua obra distancia-se resolutamente de qualquer conceito romântico de bucolismo ou pitoresco (…)"
Influenciado por Béla Bartók, Ravel, Falla e Stravinsky, o compositor, ele próprio, numa entrevista concedida ao musicólogo Mário Vieira de Carvalho expôs nestes termos a sua posição: "Aquilo em que aposto é na liberdade (liberdade na responsabilidade) da criação, na possibilidade infinita de renovação da música, sim, mas à margem de dogmas e de falazes e de imperativos históricos (…)" (in Carvalho, Mário Vieira, O Essencial sobre Fernando Lopes Graça, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989).
Poderão ouvir aqui a canção Ronda. A gravação não está nas melhores condições, ouvindo-se algum ruído do disco de vinyl, mas decidimos inclui-la ainda assim, tendo em conta a sua beleza e significado.