27 novembro 2005

Óperas portuguesas do Séc. XX - D.Duardos e Flérida de F.Lopes-Graça


O Milho da Nossa Terra
Canção tradicional da Beira Baixa - Arranjo de F.Lopes-Graça
Coro da UTAD

A cantata-melodrama D.Duardos e Flérida de Lopes-Graça, baseada na peça D.Duardos de Gil Vicente, foi estreada no Teatro Nacional de S.Carlos em 30 de Dezembro de 1970, fazem portanto, muito em breve, 35 anos.
Esta foi a primeira obra deste compositor a subir à cena naquele espaço, coincidindo a sua estreia com o momento de viragem política apelidado de Primavera Marcelista. Esta mudança reflectiu-se também a nível interno do Teatro Nacional de S.Carlos com a nomeação de João de Freitas Branco para o cargo de director deste teatro, não obstante as divergências que o separavam do regime político então vigente. Como refere Mário Vieira de Carvalho, (1) este encontrava-se sob vigilância da polícia (Processo 3363-SR/45 da PIDE/DGS). Existiu assim por parte das novas chefias governamentais uma vontade de abertura a personalidades e reportórios outrora banidos pela administração salazarista.

É sobejamente conhecida a relação entre Lopes-Graça e a resistência anti-fascista que o levou à prisão em 1931. Foi nessa altura desterrado para Alpiarça e impedido de leccionar em qualquer instituição de ensino do país, curiosamente logo após ter sido aprovado para a regência da cadeira de piano no Conservatório Nacional.
Muitas das suas obras, nomeadamente as célebres Canções Heróicas, estavam proibidas pela censura. O compositor foi assim banido dos circuitos de produção, tal como é mencionado nos arquivos da PIDE/DGS (Processo nº2585/SR).
Este facto comprometia à partida qualquer representação de obras suas, especialmente num espaço tão simbólico para o Estado Novo como era o do Teatro Nacional de S.Carlos. Assim, a oportunidade de ver representada uma peça sua não podia ser desperdiçada pelo compositor que se inspirou num clássico da literatura dramática, a já citada peça D.Duardos de Gil Vicente.

Neste momento não estão a ouvir um excerto desta ópera, ao contrário do que seria de esperar. Com efeito, nem sequer existe uma edição em partitura desta obra. Quanto a gravações, poderá porventura existir algum registo nos arquivos da antiga Emissora Nacional, mas a obra também nunca foi gravada em disco.
O espólio de Lopes-Graça (os originais escritos pelo seu punho) encontra-se na Casa Museu Verdades de Faria, no Monte Estoril, recentemente reaberta ao público. Neste museu existe um grupo de trabalho que está a catalogar e a editar em computador a obra do compositor, mas a grande maioria das peças não está ainda editada, incluindo esta ópera.
Às edições efectuadas não têm corrrespondido livros de partituras publicados, pelo que não é possível adquirir numa livraria especializada, como seria desejável, o conjunto das obras completas de Lopes-Graça.

Esboço do cenário da ópera D.Duardos e Flérida efectuado pelo compositor

Durante o Séc.XX foi habitual a transposição para a ópera de autos vicentinos, como por exemplo o Auto da Barca do Inferno e o Auto da Alma pelo compositor Ruy Coelho e a versão a Trilogia das Barcas de Joly Braga Santos. Desta última existe uma gravação em video da RTP e a ela voltaremos num próximo post.
Lopes-Graça não realizou apenas a composição da músia, mas efectuou também um singular trabalho dramatúrgico, transformando consideravelmente o texto original, alterando o número de personagens e introduzindo até texto de sua lavra. Assumiu assim o duplo papel de compositor e de dramaturgista, com vista à criação de um espectáculo uno em que a música e a palavra formassem um todo.

1) VIEIRA DE CARVALHO, Mário, «Pensar é Morrer» ou o Teatro de S.Carlos na mudança de sistemas sociocomunicativos desde fins do Séc. XVIII até aos nossos dias, Temas Portugueses, Lisboa, 1992, Imprensa Nacional - Casa da Moeda

(Nota: Comemoram-se hoje os 50 anos da morte de Luís de Freitas Branco. Para marcar esta efeméride, está ainda a decorrer um festival dedicado ao compositor, conforme mencionámos no post do dia 2/11/2005. Não se esqueçam que ainda há mais um concerto em Novembro e outros dois na Primavera / Verão.)

20 novembro 2005

Basics I - A Solmização

Vamos hoje falar da nomenclatura das notas musicais. Porque se chamarão as notas dó-ré-mi-fá-sol-lá-si? A origem destes nomes está no seguinte hino litúrgico:

Ut queant laxis (primeiro nome do Dó)
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labi reatum
Sancte Ionnes

(Tradução: Ó São João, para que possam ressoar as maravilhas dos teus feitos com largos cantos, apaga os erros dos lábios manchados.)

O monge italiano Guido d'Arezzo (c.995-c.1050), ao reparar que cada verso deste hino começava na nota seguinte da escala, aproveitou a primeira sílaba de cada verso como ajuda mnemónica. A partir daqui, desenvolveu um método de leitura denominado Solmização e criou um processo de ensino das notas conhecido como Mão de Guido que consistia em atribuir a cada articulação dos dedos uma nota diferente. Assim, o professor virava a palma da mão para os alunos e, apontando para as várias articulações, ajudava os alunos a cantar os intervalos indicados.


Posteriormente, no Séc.XVII, o Ut passou a chamar-se em homenagem ao papa João Batista Doni. Ainda hoje a primeira denominação é utilizada em França.
Nos países Anglo-Saxónicos e Germânicos as notas são normalmente identificadas por letras, embora na Inglaterra, EUA, etc. os dois sistemas convivam.
Assim:
C = Dó, D = Ré, E = Mi, F = Fá, G = Sol, A = Lá, B = Si (nos países Anglo-Saxónicos) ou H (nos países Germânicos).

Para além desta diferença, na Alemanha, são também outros os nomes utilizados para designar o modo Maior (Dur) e menor (moll).
Exemplos:
Português - Sinfonia nº40 em Sol menor de Mozart
Francês - Sinfonie nº 40 en sol mineur
Inglês - Symphony No. 40 in G minor
Alemão - Symphonie No. 40 g-moll

Podem ouvir aqui a canção Dó-ré-mi do filme Música no Coração. Como devem ter notado, em Inglês a nota Si é Ti. Esperamos que apreciem esta aula com a Maria :)

13 novembro 2005

Ritmo

A par da Altura (agudo ou grave), do Timbre (característica do som de um instrumento), da Forma (organização da peça musical) e da Dinâmica (forte ou piano), o Ritmo é um dos parâmetros da música.
Até ao Séc.XX, estava subjacente a qualquer peça musical um batimento regular constante, ao qual se dá o nome de pulsação ou tempo (posteriormente, alguns compositores começaram a diluir a noção de tempo, incluindo durações irregulares das notas nas suas obras).
A um conjunto de vários tempos (2, 3 ou 4) chama-se compasso. Dentro de cada compasso pode haver notas com durações diferentes ou até mesmo momentos de silêncio que se denominam pausas. À combinação de notas e/ou pausas de várias durações, chama-se ritmo.

Podem ouvir aqui a composição intitulada Tango Flamenco escolhida por nós porque permite exemplificar com facilidade dois tipos de organização rítmica: o ostinato e o contratempo.

Esquema do ritmo da peça Tango Flamenco

Como podem ver e ouvir, após a introdução há um ritmo que se vai repetindo sucessivamente. A este tipo de repetição chama-se ostinato. É fácil de verificar que, seguidamente, o ritmo se altera e ouvimos uma pequena sequência de contratempos.
Um contratempo é um ritmo constituído por uma pausa seguida de uma nota. Deste modo, a nota não é executada sobre o tempo, mas antes fora dele ou contra o tempo, daí esta denominação.

É possível executar uma peça musical sem qualquer melodia, utilizando somente ritmos. Para isto, nem sequer é necessário recorrer a instrumentos musicais tradicionais. O vídeo que se encontra a seguir, demonstra bem que qualquer objecto, mesmo um que à partida pareceria pouco adequeado para esta função, poderá servir para fazer música.



Grupo Fourschlag

Para visualizar este vídeo, deverá utilizar o Internet Explorer e ter o Windows Media Player versão 9 (ou superior) instalado. Não se esqueça de desligar a música de fundo no botão parar no canto superior direito.

Dadas as condições atmosféricas deste fim de semana, temos a certeza que todos terão um destes insuspeitos instrumentos musicais à mão. Esperamos portanto que aproveitem para criar as vossas composições. :))

02 novembro 2005

Luís de Freitas Branco: nos 50 anos da sua morte

Tem estado a decorrer em Lisboa, Cascais e Porto o Festival Luís de Freitas Branco que assinala o cinquentenário da morte deste compositor. Este evento é organizado a título gracioso por um outro compositor português, Alexandre Delgado e termina no próximo dia 30 de Novembro, com dois concertos extraordinários em Maio e Julho de 2006.

Estão a ouvir uma das Suites Alentejanas de L.F. Branco, peças que, segundo o seu filho, o crítico e musicólogo João de Freitas Branco, fazem parte da última "linha de força" existente na obra do seu pai. Voltaremos mais abaixo a esta classificação.

Luís de Freitas Branco (1890-1955)

Luís de Freitas Branco é um vulto maior no panorama musical português, justamente considerado o introdutor do modernismo no nosso país. O musicólogo Paulo Ferreira de Castro, na sua obra Sínteses da cultura portuguesa: História da música (escrita em conjunto com R.V.Nery) diz o seguinte sobre este compositor:
"Coube a Luís de Freitas Branco, simultaneamente compositor, pedagogo e musicógrafo e, em conjunto com Viana da Mota, uma das figuras mais importantes do panorama musical português na viragem do século, o papel de aproximar a música portuguesa das correntes estéticas europeias mais modernas da época."
Analisar pormenorizadamente a vida e obra do compositor excede o âmbito deste post. Podemos, no entanto, mencionar alguns dos aspectos mais relevantes.
L.F.Branco, para além de compositor, foi também professor, conferencista, crítico, investigador e autor de livros e ensaios, sendo referido pelo seu filho como tendo uma "personalidade brilhante, qualquer conversa era uma inesquecivel lição". A sua acção foi também muito importante no incentivo e ensino de outros músicos portugueses, tais como: António Fragoso, António José Fernandes, Fernando Lopes-Graça e Joly Braga-Santos, entre outros.
Enquanto compositor, foi extremamente inovador a nível estilístico, tanto pelo uso pioneiro da atonalidade em Portugal como também na utilização de novos intervalos melódicos e harmónicos e na politonalidade (várias tonalidades simultâneas), de que são exemplo as Variações Sinfónicas Vathek.
Como pedagogo, destaca-se a reforma que encetou no ensino da música no Conservatório Nacional de Lisboa.

Voltamos agora à divisão da sua obra, proposta pelo seu filho João de Freitas Branco, em 3 linhas de força:

  • a primeira partindo do poema sinfónico Depois de uma leitura de Antero e abrangendo quase todas as obras da primeira fase (ciclos de canções, Paraísos Artificiais, Vathek, Quarteto de cordas e Prelúdios para Piano);
  • a segunda compreendendo as obras de designação clássica (nomeadamente as Sonatas para violoncelo e piano e para violino e piano);
  • e a terceira a linha nacionalista, que deve por sua vez ser subdividida em duas. A primeira é influenciada, como já dissemos, pelo Integralismo Lusitano (poema sinfónico Viritato, de 1916), enquanto que a segunda reflecte o espírito da política cultural preconizada na reforma do Conservatório (Suites Alentejanas).*

*(Texto recolhido no livro História da Música Portuguesa de M.C.Brito e L.Cymbron)

Esperamos que muitos de vós tenham a oportunidade de assistir a estes concertos que percorrem a obra completa do compositor.

Links:
Festival Luís de Freitas Branco - Calendário
Cronologia da vida e obra de Luís de Freitas Branco (Projecto Nónio do Ministério da Educação)