Óperas portuguesas do Séc. XX - D.Duardos e Flérida de F.Lopes-Graça
Esta foi a primeira obra deste compositor a subir à cena naquele espaço, coincidindo a sua estreia com o momento de viragem política apelidado de Primavera Marcelista. Esta mudança reflectiu-se também a nível interno do Teatro Nacional de S.Carlos com a nomeação de João de Freitas Branco para o cargo de director deste teatro, não obstante as divergências que o separavam do regime político então vigente. Como refere Mário Vieira de Carvalho, (1) este encontrava-se sob vigilância da polícia (Processo 3363-SR/45 da PIDE/DGS). Existiu assim por parte das novas chefias governamentais uma vontade de abertura a personalidades e reportórios outrora banidos pela administração salazarista.
É sobejamente conhecida a relação entre Lopes-Graça e a resistência anti-fascista que o levou à prisão em 1931. Foi nessa altura desterrado para Alpiarça e impedido de leccionar em qualquer instituição de ensino do país, curiosamente logo após ter sido aprovado para a regência da cadeira de piano no Conservatório Nacional.
Muitas das suas obras, nomeadamente as célebres Canções Heróicas, estavam proibidas pela censura. O compositor foi assim banido dos circuitos de produção, tal como é mencionado nos arquivos da PIDE/DGS (Processo nº2585/SR).
Este facto comprometia à partida qualquer representação de obras suas, especialmente num espaço tão simbólico para o Estado Novo como era o do Teatro Nacional de S.Carlos. Assim, a oportunidade de ver representada uma peça sua não podia ser desperdiçada pelo compositor que se inspirou num clássico da literatura dramática, a já citada peça D.Duardos de Gil Vicente.
Neste momento não estão a ouvir um excerto desta ópera, ao contrário do que seria de esperar. Com efeito, nem sequer existe uma edição em partitura desta obra. Quanto a gravações, poderá porventura existir algum registo nos arquivos da antiga Emissora Nacional, mas a obra também nunca foi gravada em disco.
O espólio de Lopes-Graça (os originais escritos pelo seu punho) encontra-se na Casa Museu Verdades de Faria, no Monte Estoril, recentemente reaberta ao público. Neste museu existe um grupo de trabalho que está a catalogar e a editar em computador a obra do compositor, mas a grande maioria das peças não está ainda editada, incluindo esta ópera.
Às edições efectuadas não têm corrrespondido livros de partituras publicados, pelo que não é possível adquirir numa livraria especializada, como seria desejável, o conjunto das obras completas de Lopes-Graça.
Esboço do cenário da ópera D.Duardos e Flérida efectuado pelo compositor
Durante o Séc.XX foi habitual a transposição para a ópera de autos vicentinos, como por exemplo o Auto da Barca do Inferno e o Auto da Alma pelo compositor Ruy Coelho e a versão a Trilogia das Barcas de Joly Braga Santos. Desta última existe uma gravação em video da RTP e a ela voltaremos num próximo post.
Lopes-Graça não realizou apenas a composição da músia, mas efectuou também um singular trabalho dramatúrgico, transformando consideravelmente o texto original, alterando o número de personagens e introduzindo até texto de sua lavra. Assumiu assim o duplo papel de compositor e de dramaturgista, com vista à criação de um espectáculo uno em que a música e a palavra formassem um todo.
1) VIEIRA DE CARVALHO, Mário, «Pensar é Morrer» ou o Teatro de S.Carlos na mudança de sistemas sociocomunicativos desde fins do Séc. XVIII até aos nossos dias, Temas Portugueses, Lisboa, 1992, Imprensa Nacional - Casa da Moeda
(Nota: Comemoram-se hoje os 50 anos da morte de Luís de Freitas Branco. Para marcar esta efeméride, está ainda a decorrer um festival dedicado ao compositor, conforme mencionámos no post do dia 2/11/2005. Não se esqueçam que ainda há mais um concerto em Novembro e outros dois na Primavera / Verão.)
9 Comments:
É pena não haver nada gravado de Lopes Graça. Post feito de uma maneira acessível e que nos permite aprender:) beijos
Concordo com o Wind. Aprendi imenso com este post (sim, senhor professor, os teus alunos são uns felizardos!), mas sinto-me absolutamente incompetente para o comentar! Por isso, olha, beijos aos molhos para os dois! :)
Faço minhas as palavras da Rosa.:)
Aqui aprende-se sempre e isso é extremamente positivo.
Beijinhos aos dois.:)
ai que saudades de ouvir isto em noites quentes de desfolhadas :)
Beijo da Lina/Mar Revolto
Wind,
Há algumas gravações de obras de Lopes-Graça, principalmente das Canções Heróicas, mas não há o suficiente. Falta também editar a maioria das partituras que estão guardadas na Casa-Museu Verdades de Faria.
Quanto a óperas portuguesas compostas no Séc.XX há 5 que são baseadas em autos de Gil Vicente, compostas por 3 compositores diferentes. Nenhuma das partituras se encontra editada e quanto a gravações não há discos. A única coisa que existe é uma gravação já antiga da RTP de uma destas óperas. Num dos próximos posts vamos incluir um pequeno excerto em video.
Bjs.
Rosa,
Tento sempre ensinar. Um molho de beijos também para ti.
Andorinha,
Ainda há muito a fazer ao nível da educação musical no nosso país. Este blog é apenas um contributo. Bjs.
Aromas do mar,
Este arranjo de Lopes-Graça ainda torna este tema mais doce.
Bjs.
Para quem não tiver este cd, há um free mp3 aqui do Acordai, cantado pelo Coral de S. Domingos.
Olá Mi,
Obrigado pelos links. A interpretação do Coral de S.Domingos do Acordai é óptima. O accelerando no final é excelente.
Bom dia andava a passear pelos blogs. Neste dia cinzento, e cheguei aqui, para continuar as minhas leituras improvisadas.
E assim ver o mundo pelos escritos da inter-planeta.
Beijinhos para os dois, da caixinha dos chás onde vos guardo :)*
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